quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Sobre sujeitos e comportamentos...


"O sujeito alucina seu mundo" 
(Saussurre)


Após ler alguns textos diversos, sobre corpo, linguagem e expressão, não pude deixar de me surpreender com algumas das teorias lacanianas, sobre o real, imáginário e simbólico na concepção do corpo, e do comportamento. Teorias estas, que se revelam de extrema coragem, mas também controversas, inclusive leitura muito pesada, que requer leiamos e releiamos até seu total entedimento, se é que isso é possível. 

Enfim, me deparei com esta teoria do corpo, que o corpo está fora da dimensão do real, o que temos do corpo é a imagem deste. Bem, pra alguns esta filosofia trataria de explicar muito bem, alguns fenômenos pelos quais passamos ou vemos hoje, nas redes sociais. O que vemos proliferar uma infinidade de imagens na qual os indivíduos tratam de se expor frente a alguma situação, ou sentem uma necessidade imensa, de mostrar determinado feito durante o dia. Não que isso seja ruim, não estou aqui para julgar pelo contrário. Trato de tentar com este texto desmistificar, jogar 'a merda' no ventilador, ou melhor, me expor inclusive para tentar solucionar este dilema. Porque é algo tão presente em nossas vidas ultimamente, que nos vemos as voltas com a vontade tanto de produzir quanto de consumir imagens. A minha pergunta interna, inclusive para mim mesma é: onde será que vai dar tudo isso? Ou melhor pra que serve tudo isso? 

Tenho uma sensação estranha mas, que me parece a mais coerente, a uma real crise na vida cotidiana das pessoas, hoje em dia, e com isso não me eximo do mesmo problema, também me vejo as voltas com vontade de postar coisas, de mostrar o que estou lendo, escutando ou vendo. Isso é praticamente uma das formas de hoje se sentir aceito socialmente, ou a vontade que temos de expor o nosso mundo. E após ler Lacan, muita coisa se explica, pois, hoje mais do que nunca, na cultura midiática, tecnológica e imagética, este se aplica perfeitamente quando diz que o real hoje, nada mais é do que a farsa, a contra-senha, o disfarce, a representação, uma recusa ao nosso EU, a que estamos permeados. 

Isso pra mim só pode ter uma raiz na questão de uma carência de não sei o que, que vêm não sei de onde. Essa falta de algo que não sabemos explicar o que é. E que normalmente é a raiz de todos problemas afetivos que nos envolvem, sejam familiares, amorosos, etc. das relações humanas em geral.  Me pergunto, se não serão estas as razões intrínsecas de toda a dificuldade em nos relacionarmos, andamos tão as voltas com a opinião alheia, já que podemos falar a uma grande massa, que as relações se tornaram fluídas, a partir do momento em que se pode representar o tempo todo. Será que realmente a tecnologia vem para alcançar o inalcançável? Será que serve como ponte entre os sujeitos? Ou será que estamos perdendo o jeito nas relações reais, acostumados que estamos na mediação pelas máquinas?

Há uma dificuldade de compreensão do outro, nas suas opiniões e atitudes, e também a necessidade de sermos compreendidos. Hoje, mais do que nunca utilizamos estes disfarces das redes sociais, para mostrarmos ao outro o quanto estamos bem, felizes, e fazemos questão de esfregar isso na cara. Daí acabam advindo outras questões, o alter ego, o narcisismo, etc. 

Fato é que como eu dizia a "sociedade tecnológica", nem direi humanidade já que existem outros 'planetas' onde o modus vivendi é outro, parece passar por uma enfermidade, uma enfermidade que se traduz na incrível necessidade de ser ouvido, visto e admirado. Ou seja, plantamos uma realidade, aquela que construímos como ideais para nós mesmos, um estado que pretendemos alcançar, porque nessa nova esfera, a virtual podemos falar a muitas gentes!!! 

E dentre estes, muitos se compadecem e curtem, nossas ações virtuais, ou apenas porque se identificam, há um grande espírito coletivo de auto-identificação nas redes sociais, esse é o modus vivendi da sociedade tecnológica, e é sobre ele que opera nossas necessidades. E isto vem sendo reproduzido diariamente, parece a saída para não se sentir sozinho, neste mundão de Meu Deus! 

A grande questão que devemos nos perguntar diariamente é se de fato as coisas boas proporcionadas pela rede, como aproximar-se de alguém que se deseja, encurtar espaços, no sentido de transpor isso para a realidade, está realmente acontecendo? Se não tratar de fazer acontecer! E se, o que está se transpondo para o real, não é exatamente o que há de ruim nas redes, como a criação de uma auto-imagem que não condiz com a realidade. 

Será que estamos ficando cada vez mais xucros nas relações, porque nas relações mediatizadas encontramos apoio, ou melhor: nos tornamos experts em disfarces, máscaras, que nem sabemos mais como sermos autênticos, sinceros e simplesmente vulneráveis? 
E isso que devemos nos perguntar. 

2 comentários:

  1. Nerize, belo texto! Que bom ler alguém que também se vê nesse tipo de inquietação, tomada por essa correnteza identitária... um alívio!
    Nunca li Lacan, mas já dei uma sacada num cara - como é mesmo o nome dele? - sim, Anselm Jappe, que por sua vez, leu Guy Debord, este último pai da "Sociedade do Espetáculo". Lá na década de 1960, já estavam promovendo essa discussão, sobre a realidade e a imagem. Tem um aforismo que me lembro de cor: "Quando a realidade se torna simples imagens, simples imagens tornam-se realidade". Acho que é uma crise nem tão nova essa que vivemos, de espetacularizar nossas miúdas vidas, já que forma e conteúdo se confundem na nossa "formação" (eu diria reprodução) enquanto sujeitos-sujeitados.
    Acho que a internet cai como uma luva para servir à nossa ausência de identidade, à nossa pobreza de experiência (W. Benjamin). Infelizmente é esse baile de máscaras mesmo, ao qual nem temos o direito de recusar, correndo o risco da imediata exclusão dos espaços. Mas o que fazer com essa disputa (tão carente e alienada) de tais espaços, migalhas das migalhas das relações sociais? Nossos álter-egos virtuais grasnando suas verdades, suas vaidades...
    É o eco, o barulho do nosso vazio.
    Autenticidade não existe.

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  2. Tem toda razão Lu…e obrigada por complementar, minhas idéias utilizando outros autores…é com certeza é uma discussão que já vêm ha um certo tempo sendo debatida. E como você disse as redes sociais, a internet apenas corroboram um modo de "ver" já incrustado na sociedade. O caráter reprodutivo das imagens, e a evolução da tecnologia, sociedade de consumo, etc, etc... que W. Benjamin tanto esmiuçou, entre outros autores, fomos cada vez mais indo em direção a uma perda do sentido de certas coisas. Essa necessidade imensa de consumir um momento e torná-lo seu, como se a caixinha da memória pudesse ser acessada por uma foto…rsrsrs, pode sim até…, mas uma memória que talvez não seja tão interessante (Me lembro…bemm…me lembro de ter passado toda a festa me debatendo e tentando registrar coisas) quanto a de quem realmente tenta vivenciar o momento. Um exemplo bem claro disto que estamos perto de vivenciar agora, com a Festa Boa Morte…e como se tornou uma festa "espetacular", que possui tantos elementos e rituais ricos, que acabaram por sendo escondidos no meio de uma multidão (grande parte dela) afoita, que só quer ver através dos "olhos" de uma máquina...

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