A sociedade
contemporânea convive, quase que exclusivamente, com o homo consumens
[i];
a vida consumista favorece a leveza e a velocidade. E também a novidade e a
variedade que elas promovem e facilitam. É a rotatividade, não o volume de
compras, que mede o sucesso na vida do homem contemporâneo. De que maneira a
relação de consumo que estabelecemos com os produtos duráveis (que poderiam ter
outro nome, pois eles não são duráveis) afetam a nossa capacidade de criar e
cultivar vínculos humanos?
A misteriosa
fragilidade dos vínculos humanos, o sentimento de insegurança que ela inspira e
os desejos conflitantes (estimulados por tal sentimento) de apertar os laços e
ao mesmo tempo mantê-los frouxos, é um tema contemporâneo. (Paciência é uma
virtude; que se faz essencial quando falamos em amor). Quase todas as
discussões sobre “o problema” relacionamento (amor) nos dizem ser
imprescindível a dedicação, o amor e o respeito. O respeito é, afinal, apenas um
dos lados da faca de dois gumes da atenção, cuja a outra ponta é a opressão.
Em todo amor
há pelo menos dois seres, cada qual a grande duvida na equação do outro. É isso
que faz o amor parecer um capricho do destino; aquele futuro estranho e
misterioso, impossível de ser descrito antecipadamente, que deve ser realizado
ou protelado, acelerado ou interrompido. Amar significa abrir-se ao destino, a
mais sublime de todas as condições humanas, em que o medo se funde a alegria
numa bagunça irreversível. Abrir-se ao destino significa, em última instância,
admitir a liberdade no ser: aquela liberdade que se incorpora no outro, o
companheiro no amor. A satisfação no amor individual não pode ser atingida sem
a humildade, a coragem, a fé e a disciplina verdadeiras e em uma cultura na
qual são raras essas qualidades, atingir a capacidade de amar será sempre,
necessariamente, uma rara conquista. Sem humildade e coragem não há amor. Essas
duas qualidades são exigidas, em escalas enormes e continuas, quando se
ingressa numa terra inexplorada e não-mapeada. E é a esse território que o amor
conduz ao se instalar entre dois ou mais seres humanos.
Quando se trata de amor, posse, poder, fusão e desencanto são os
Quatro Cavaleiros do Apocalipse. Nisso reside à assombrosa fragilidade do amor,
lado a lado com sua maldita recusa em suportar com leveza a vulnerabilidade.
Todo amor empenha-se em subjugar, mas quando triunfa encontra a derradeira
derrota. Todo o amor luta para enterrar suas fontes de precariedade e
incerteza, mas, se obtém êxito, logo começa a se enfraquecer e definhar. Mãos
que acariciam também podem prender e esmagar.
(o amor pode
ser, e frequentemente é, tão atemorizante quanto à morte. Só que ele encobre
essa verdade com a comoção do desejo e do excitamento. Faz sentido pensar na
diferença entre amor e morte como na que existe entre atração e repulsa; a
tentação de apaixonar-se é grande e poderosa, mas também o é a tentação de
escapar. E o fascínio da procura de um rosa sem espinhos nunca está muito
longe, e é sempre difícil de resistir.)
É como num shopping:
os consumidores hoje não compram para satisfazer um desejo; compram por
impulso. Semear, cultivar e alimentar o desejo leva tempo (um tempo
insuportavelmente prolongado para os padrões de uma cultura que tem pavor em
postergar, preferindo a “satisfação instantânea”). O desejo precisa de tempo
para germinar, crescer e amadurecer. Numa época em que o “longo prazo” é cada
vez mais curto, ainda assim a velocidade de maturação do desejo resiste de modo
obstinado à aceleração. Os administradores de um shopping Center não desejam
que as decisões de compra sejam tomadas por motivos nascido a e amadurecidos ao
acaso, nem deixar seu cultivo nas mãos leigas dos consumidores. Todos os
motivos necessários para fazê-los comprar devem nascer instantaneamente,
enquanto passeiam pelo shopping.
Nos dias de
hoje, os shoppings centers tendem a serem planejados tendo-se em mente o súbito
despertar e a rápida extinção dos impulsos, e não a incômoda e prolongada
criação e maturação dos desejos. O único desejo que pode (e deve) ser
implantado por meio da visita a um shopping é o de repetir, vezes e vezes
seguidas, no momento estimulante de “abandonar-se aos impulsos” e permitir que
estes comandem o espetáculo sem que haja cenário pré-definido. A curta
expectativa de vida é o trunfo dos impulsos, dando-lhes uma vantagem sobre os
desejos.
Consideradas
defeituosas ou não “plenamente satisfatórias”, as mercadorias podem ser
trocadas por outras, as quais se espera que agradem mais, mesmo que não haja um
serviço de atendimento ao cliente e que a transação não inclua a garantia de
devolução do dinheiro. Mas, ainda que cumpram o que delas se espera, não se
imagina que permaneçam em uso por muito tempo. Afinal, automóveis, computadores
ou celulares perfeitamente usáveis, em bom estado e em condições de
funcionamento satisfatórias são consideradas, sem remoço, como um monte de lixo
no instante em que “novas e aperfeiçoadas versões” aparecem nas lojas e se
tornam o assunto do momento. Alguma razão para que as parcerias sejam
consideradas a exceção da regra?
(guiado pelo impulso “seus olhos se cruzam na sala lotada”, a
parceria segue o padrão do shopping e não exige mais que as habilidades de um
consumidor médio, moderadamente experiente. Tal como outros bens de consumo,
ela deve ser consumida instantaneamente e usada uma só vez, “sem preconceito”.
É, antes de mais nada, eminentemente descartável.)
[i]
BAUMAN, Zygmunt. Vida Líquida.