sexta-feira, 14 de junho de 2019

Ler para crer



A impressão que me fica ao ler certos conteúdos produzidos no meio acadêmico, é que existe uma tendência a reprodução de conteúdos, a repetição de repertórios, teorias e conceitos. Quando se parte para observar o "caldo" disso tudo, ele é insosso e pouco profundo. Quando se espera ver mais o pensamento e as conclusões ou elaboração de novas teorias e proposições por parte do pesquisador, volta-se a parte de conclusões não raro bastante simplistas e sem a alma ali expressa. As vezes há uma impressão de que o conteúdo é elaborado de forma extremamente rebuscada ou prolixa, fica mais visível conforme sua relação de distância com o objeto estudado. Pois parece um recurso utilizado na tentativa de preencher o "vazio" do que se espera como leitor, do que se espera como informação nova.
Tenho lido autores de diversos tipos, e sempre e cada vez mais me agrada, aquele tipo de leitura simples e leve, não medíocre, mas acessível. Acessível a todo tipo de público e a qualquer um que leia. Onde cada frase ou parágrafo ao mesmo tempo em que é dito com simplicidade abarca ou contém em si, um mundo de preciosidades, um mundo de informações úteis. São leituras inspiradoras, porque quando vc vê o processo de aprendizado fluiu de uma maneira inacreditável, e o processo cognitivo aconteceu e marcou sua mente e seu corpo, de forma que no minuto seguinte vc já é capaz de estar reformulando seu conteúdo transformado por suas próprias emoções e percepções à outras pessoas e o fluxo de informações e processo de aprendizado se torna mais prazeroso. 


Só me foi possível entender alguns conceitos abordados por Deleuze através da autora Suely Rolnik. E não é uma crítica pessoal a Deleuze, apesar de complexo não achava a escrita prolixa, como em alguns casos, mas apenas "poética demais". Ao ler Mil Platôs, capitalismo e esquizofrenia, sentia meu cérebro esquentar, literalmente. Lia e relia, e entrava num esgotamento cerebral, não conseguir ler muitas páginas por dia. Na realidade elaborei muitos desenhos pra tentar ilustrar seus conceitos na tentativa de que eles se fixassem melhor. O conceito de rizoma talvez tenha sido o que mais me marcou na época. Mas foi ao ler Suely Rolnik e cartografia sentimental, consegui entender muitos conceitos como a subjetivação, e o corpo vibrátil. E de fato não é uma critica a Deleuze e outros autores. Mas há uma arte na escrita que independe de vocabulários rebuscados ou conceitos trazidos e explicitados de forma complexa. Há uma forma de escrita que agrega informação e simplicidade que a torna uma fórmula genial.

Suely Rolnik pra mim, é exemplo de mulher, intelectual e, independente de seus titulos de doutora, psicanalista e critica de arte, tem uma escrita fantástica. Escreve sobre conceitos complexos de forma simples e poética e se faz entender a qualquer ser humano, seja ele acadêmico, artista, de qualquer profissão, que se interessem pelo que ela tem a dizer. Me agrada muito leituras assim. 




Sendo assim recomendo o livro Cartografia Sentimental, um livro que apesar de escrito na década de 80 ainda é muito contemporâneo:

"Sendo tarefa do cartógrafo dar língua para os afetos que pedem passagem, dele se espera basicamente que esteja mergulhado na intensidades do seu tempo, e que, atento às linguagens que encontra, devore as que lhe parecerem elementos possíveis para composição das cartografias que se fazem necessárias. O cartógrafo é antes de tudo um "antropófago". (Rolnik, p.23).



Entenda-se por antropófago aqui, aquele que devora qualquer tipo de coisa, filme, livros, um diálogo, que seja, ou objetos de arte (por meio da contemplação) e dessas experiências saiam transformados, para criar qualquer tipo de coisa nova. Principalmente por que houve uma entrega necessária para nos sentirmos 'atravessados', que a própria autora nomeia de "corpo vibrátil".

Depois há uma pagina inteira, com artigos sobre temas ligados subjetividade, perspectivas sobre, cinema, arte, filosofia, psicanálise, incrível. Aqui Nucleo de Estudos da subjetividade

Particularmente adoro os textos relacionados à obra de Ligia Clark e os textos sobre o corpo vibrátil:

"Entre a vibratilidade do corpo e sua capacidade de percepção há uma relação paradoxal. É a tensão desse paradoxo, que mobiliza e impulsiona a potência de criação, na medida em que nos coloca em crise e nos impõe a necessidade de criarmos formas de expressão para as sensações intransmissíveis por meio das representações de que dispomos. Assim movidos por este paradoxo, somos continuamente forçados a pensar/agir de forma a transformar a paisagem subjetiva e objetiva. (ROLNIK, p. 13).

Pesquisando recentemente descobri sua mais nova e recente obra: Esferas da Insurreição, Notas para uma vida não cafetinada. 

Que ainda não li, e pelo jeito terei trabalho, pois, procura-se e está esgotado em várias livrarias. Mas pelo que consta descrição, trata-se de um guia de resistência política em tempos de contrarrevolução. 












quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Perfis...



(um poema inspirado pela imagem e pelos encontros e pirações da vida...
  dedicado à Izaías Ribas)

Ilustração: Izaías Ribas                         

Este rosto, este corpo que brota das montanhas

assim belo, assim tonto,  assim calmo

gela nas superfícies das águas…

com o vento vai levando minh'álma…

me transporta para outros mundos

outras cores surreais…

Sob este corpo, a polpa submersa

me sustenta num raso e profundo lago

e ao mesmo tempo escondida ela está

de si mesma, dos amores, dos tormentos…

absurdo,

intenso amor…que me apraz

doces perfis replicados

pela mente de um olhar atento e fértil,

a contar historias de encontros,

travessias e despedidas…

Sonhos que criam mundos

que criam sonhos

dentro de si mesmos…


Veja o Blog: izaiasribas.blogspot.com

quinta-feira, 26 de março de 2015

Amálgama








Estas imagens, sempre que as vejo, 
emoção me toma...
 foram seus olhos a me prescutar
entre os movimentos do quadro, aqui e acolá…
num lastro...capto um rastro de desejo…
assim num frenesi…fico excitada...

Saber que eras tu…
sinto meu sangue latejar…
era seu olhar que estava ali 
a escorregar pelo meu corpo,
atento... voyer…desbravador...

A viajar entre a imagem formada pela íris..
e o deslizar da lente suave pelas curvas do meu ser... 
com sutileza, calma e parcimônia
conseguiste captar minha imagem-essência… 
através de seus olhos, sua arte,  senti-me bela….

Essas imagens quando as vejo,
sinto que seus olhos, comigo fizeram amor...
E assim me satisfaço…me desfaço... me desintegro 
na beleza que é me sentir tocada de outras formas...

Esta ligação, este elo, estará pra sempre em mim, 
como um pacto, um laço que não se pode desfazer…
presente na imagem…na ação de intervenção mútua 
entre corpos na experiência concreta…

Me tornei você através de sua visão...
tu te tornastes eu pelo seu olhar testemunha…
amalgamados sempre estaremos, pela imagem 
 presença no ato...

quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Felicidade e ética: promessas e dúvidas (parte II)




Através do Texto Felicidade e Ética: promessas e dúvidas, que Natalia escreveu, pude pensar a presença dessa tal relatividade na vida e do que imaginamos como o bom, o certo a partir dos comportamentos, dentro da história do mundo. E como mostrou Nati, o pensamento sobre esses conceitos "Felicidade", "Ética", foi estudado e esmiuçado por filósofos e pensadores diversos. Para nós, "meros mortais" (que também podemos ser "pensadores") estas questões, não se colocam na maioria das vezes, como conceitos a serem estudados. A Ética pode ser enquadrada como uma ciência do comportamento, mas antes de ser uma ciência ela simplesmente é! No mundo, somos perpassados o tempo todo por ela só não nos damos conta. Nos acostumamos a não pensar sobre o que estes conceitos significam, ou não discutir sobre o que abarcam, como Nati bem afirmou no início do texto dela.  


A Felicidade pra mim, também é um estado de ser e de viver no mundo e dele participar! Sei lá, um modo ser que pressupõe alguns princípios como o do perdão, o de fazer coisas sem esperar nada em troca, que são inquestionáveis. Temos uma idéia geral de Felicidade, Ética, mas que se confunde apenas com a satisfação de desejos que não incluem o outro. Durante a vida temos séries de satisfações, e buscamos a felicidade como algo eterno, mas cabe a nós, entendermos como não estamos sozinhos, como fazermos parte deste todo, e como felicidade não faz sentido se não for compartilhada. Acabamos reduzindo esse debate em nossa vida diária a uma forma prática, como se a felicidade fosse desmembrada em diversas pequenas necessidades mínimas, que vão se desdobrando em necessidades maiores. - Poxa, fulano não tem o que comer, hoje. - Poxa acabei de ser assaltada! Isso é certo? Isso é errado?

A Felicidade pode estar vinculada num primeiro momento, ao acesso às necessidades básicas, comer, beber, por exemplo. - Mas perai, (grita o fulano de trás), tem gente que não come e mesmo assim é feliz…. (risos). Poxa perai! Existe a relatividade das coisas, mas não vamos exagerar, Sr. Einstein me desculpe, tem limite! Claro que existe gente, que é muito mais feliz com o pouco que tem, em relação à alguns que têm muito. Mas descartar, principalmente, questões básicas, das quais o indivíduo depende para estar vivo no mundo! Pra mim é no mínimo, confundir as coisas.

Isso significa que toda pessoa que tem acesso a necessidades básicas, é mais feliz? Ou que aquele que não possui esse acesso, é infeliz…? Não! Neste caso a relatividade se aplica, pois até a aplicação do conceito de relatividade é relativo! (risos).


E falando por exemplo, da vida social, somos seres em constante mutação, estamos agindo e impactando-nos sempre, e desta forma vamos criando nossas próprios conceitos e personalidade. Existe um importante conceito sobre isso, a Antropia, que fala exatamente sobre isso: Antropia é uma palavra de origem grega que não existe por si só. Apareceu escrito na língua portuguesa em mil oitocentos e setenta e um. Diz-se antrópico tudo o que é "relativo ou pertencente ao homem ou ao seu período de existência na Terra; relativo à acção do homem; relativo às modificações produzidas pelo homem no meio ambiente." Antropia será, pois, toda e qualquer acção do Homem na sua passagem pela Terra. Entre semelhantes e entre estes e planeta. Será a relação de todas estas acções com a visão do Universo em que Homem e planeta se inserem. 

Ou seja a ação antrópica simplesmente existe, porque o homem existe, o curso de nossas vidas estão sempre mudando, de acordo com as nossas experiências, e estamos sempre mudando o curso da vida de outras pessoas. O simples ato de encontrar um amigo, e conversar sobre determinadas coisas, o simples ato de escrever ou ler, vai introjetando e modificando algo dentro de nós. O simples ato de existir. 


Apesar de eu acreditar que existe também, uma essência primordial que nos diferencia enquanto seres humanos, porque até na forma como captamos certas experiências e as reflexões que temos destas, vai nos definindo e nos diferenciando ao longo da vida. E é exatamente aí que reside a beleza, temos tanto a acrescentar uns aos outros!! Certas pessoas podem ser sensíveis mais do que outras em relação a determinados eventos e assuntos. Ou mesmo, o tipo de vivência, que uns tiveram, e outros não. Então o que pode ser interessante para alguns, pode não ser pra outros, relatividade denovo? Nãooo!! 

Fato é que podemos começar, estando abertos a experiência da vida, sem prejulgar, sem tentar nos impor mas propondo sempre o diálogo. Por exemplo eu, quando escrevo é uma forma de tentar me entender também, no mundo, não apenas para que outras pessoas leiam, porque quando coloco meus pensamentos pra fora, reflito  eu também, sobre eles. Muita gente pode ler esse texto, e não ter paciência, e não significar nada, mas outros talvez estejam mais propícios a entender ou num momento propício. Eu mesmo vinha falando no meu comentário ao primeiro texto, o de Nati, que eu havia lido o texto dela quando ela publicou, mas na época não tive nada a dizer! E veja só agora ele rendeu um post, de tanta coisa que refleti! 



Minha única dúvida é, se realmente se existe relatividade em relação à um estado de felicidade puro e genuíno (como um estado permanente de alegria e contentamento que independe de conquistas materiais). Que pode sim, advir de uma pessoa sem posses. Já paramos pra perguntar se o indivíduo do outro lado da rua, o mendingo, não é realmente feliz? Vamos tentar pensar, o homem vive da caridade dos outros, e essa caridade nem sempre é dada de bom grado, provavelmente ele (o mendingo), ficará feliz com o que ganhou, mas a pessoa que doou nem sempre sente-se feliz com isso, e o faz apenas por um compromisso Moral, não um compromisso Ético. Porque temos essa visão do que é bom e benévolo. Mas se estivermos apenas satisfazendo um compromisso moral, sem uma "verdadeira entrega", o fazer pelo bem, pelo amor, pelo ético, estaremos novamente infelizes e voltamos a estaca zero. Pra mim a Ética é algo maior em prol do bem comum, que pode trazer alegria e fazer o bem a felicidade reverberar, cada vez mais e mais, para os outros e para nós mesmos, por conseguinte. Esse mesmo mendigo pode saber melhor o significado da felicidade no seu estado de espírito, pode ter ali vivências e pequenas situações em contato com outras pessoas na rua, que trazem uma paz interior e profunda sabedoria sobre o motivo de estarmos vivos. Isso não significa que ele deva ser privado de direitos básicos, como alimentação, saúde, etc, etc. São coisas diferentes. 




Já a satisfação das necessidades mais supérfluas, pode trazer uma momentânea felicidade, não genuína… porque esse tipo de satisfação, só gera outras, é uma dependência quase doentia, de ter sempre mais e mais…  alimentada pela moda, pelo consumismo, pela mídia, etc, etc. Satisfação de nossos desejos mais egoístas.  - Quero ser melhor que o outro, estar mais bonito, mais atraente, ser mais inteligente, etc, etc. E daí advém todas as questões de satisfação do ego… que não gera resultados positivos, apenas embates… pura vaidade...  



A Ética, se for uma forma de viver que leva a felicidade, como Aristóteles diz, precisamos recuperar esse pensamento aristoteliano, porque algo de importante ele têm a mostrar…
Tentar incorporar em nossa vivência, mais altruísmo, e sentir  mais satisfação com o que temos, repensar valores mais espirituais. A felicidade sim, pode ser vista como um estado primordial ao meu ver, algo que pertence apenas a um estado de "ser" no mundo, em que o outro está sempre incluído. Ou seja , coisas que estão relacionadas ao inconsciente coletivo (Jung), e certos princípios universais (o amor, a compreensão, valorização da vida), que acho que se buscadas proporcionam um tipo de felicidade mais plena. Até as idéias revolucionárias de Cristo, na sua filosofia de "amor ao próximo", Gandhi, Buda, Meishu Sama, etc, etc… e até outros que não apenas tentavam teorizar, mas desenvolver em ações concretas, estamos cheios de heróis do dia-a dia!





Acho que precisamos disso, mais Amor, Reflexão, Filosofia, Arte.


E que possam me criticar também!!!

Ah! E vejam o Texto de Nati anterior: 

http://viciadasemcafeina.blogspot.com.br/2013_04_01_archive.html

PAZ!!

sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

apenas um poema...



Dualidade

A lua como um cálice derrama sobre o céu
seu brilho como um véu de estrelas cintilantes…

Seu corpo nú estendido na relva
é levemente iluminado de um brilho azulado…

Sua pele torna-se assim 
como um tapete de luz aveludado….

Ao seu contato estremeço…
entonteço…
arrepio…

um misto de frio e calor
dualidade…

abro os olhos e vejo você
mordendo lábios

lábios doces…com sabor ácido
feito jambo…

Seu corpo exala um perfume de homem
que inebria, entontece…




amalgamados…sinto cada pedaço de ti em mim…
como uma fusão líquida
como o infinito
como um laço continuo
onde acaba um…começa o outro…

percorre suas mãos sobre o meu corpo
e quanto mais sinto mais quero…

beijos loucos, suave leveza
das suas mãos se faz a doçura…
e doce e suave é você…

carinhos, contos e ternura
o acalento e o fogo quase queimam minha pele…
dualidade….





No seu mel eu mergulho e assim
me sinto mais dourada e leve 
suave leveza… como mel quando escorre…

chego assim em meu mais puro estado…
Me liberto em seu peito
me entremeio em suas pernas
me cubro com seu ardor
nos seus braços me faço mulher...

quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Sobre sujeitos e comportamentos...


"O sujeito alucina seu mundo" 
(Saussurre)


Após ler alguns textos diversos, sobre corpo, linguagem e expressão, não pude deixar de me surpreender com algumas das teorias lacanianas, sobre o real, imáginário e simbólico na concepção do corpo, e do comportamento. Teorias estas, que se revelam de extrema coragem, mas também controversas, inclusive leitura muito pesada, que requer leiamos e releiamos até seu total entedimento, se é que isso é possível. 

Enfim, me deparei com esta teoria do corpo, que o corpo está fora da dimensão do real, o que temos do corpo é a imagem deste. Bem, pra alguns esta filosofia trataria de explicar muito bem, alguns fenômenos pelos quais passamos ou vemos hoje, nas redes sociais. O que vemos proliferar uma infinidade de imagens na qual os indivíduos tratam de se expor frente a alguma situação, ou sentem uma necessidade imensa, de mostrar determinado feito durante o dia. Não que isso seja ruim, não estou aqui para julgar pelo contrário. Trato de tentar com este texto desmistificar, jogar 'a merda' no ventilador, ou melhor, me expor inclusive para tentar solucionar este dilema. Porque é algo tão presente em nossas vidas ultimamente, que nos vemos as voltas com a vontade tanto de produzir quanto de consumir imagens. A minha pergunta interna, inclusive para mim mesma é: onde será que vai dar tudo isso? Ou melhor pra que serve tudo isso? 

Tenho uma sensação estranha mas, que me parece a mais coerente, a uma real crise na vida cotidiana das pessoas, hoje em dia, e com isso não me eximo do mesmo problema, também me vejo as voltas com vontade de postar coisas, de mostrar o que estou lendo, escutando ou vendo. Isso é praticamente uma das formas de hoje se sentir aceito socialmente, ou a vontade que temos de expor o nosso mundo. E após ler Lacan, muita coisa se explica, pois, hoje mais do que nunca, na cultura midiática, tecnológica e imagética, este se aplica perfeitamente quando diz que o real hoje, nada mais é do que a farsa, a contra-senha, o disfarce, a representação, uma recusa ao nosso EU, a que estamos permeados. 

Isso pra mim só pode ter uma raiz na questão de uma carência de não sei o que, que vêm não sei de onde. Essa falta de algo que não sabemos explicar o que é. E que normalmente é a raiz de todos problemas afetivos que nos envolvem, sejam familiares, amorosos, etc. das relações humanas em geral.  Me pergunto, se não serão estas as razões intrínsecas de toda a dificuldade em nos relacionarmos, andamos tão as voltas com a opinião alheia, já que podemos falar a uma grande massa, que as relações se tornaram fluídas, a partir do momento em que se pode representar o tempo todo. Será que realmente a tecnologia vem para alcançar o inalcançável? Será que serve como ponte entre os sujeitos? Ou será que estamos perdendo o jeito nas relações reais, acostumados que estamos na mediação pelas máquinas?

Há uma dificuldade de compreensão do outro, nas suas opiniões e atitudes, e também a necessidade de sermos compreendidos. Hoje, mais do que nunca utilizamos estes disfarces das redes sociais, para mostrarmos ao outro o quanto estamos bem, felizes, e fazemos questão de esfregar isso na cara. Daí acabam advindo outras questões, o alter ego, o narcisismo, etc. 

Fato é que como eu dizia a "sociedade tecnológica", nem direi humanidade já que existem outros 'planetas' onde o modus vivendi é outro, parece passar por uma enfermidade, uma enfermidade que se traduz na incrível necessidade de ser ouvido, visto e admirado. Ou seja, plantamos uma realidade, aquela que construímos como ideais para nós mesmos, um estado que pretendemos alcançar, porque nessa nova esfera, a virtual podemos falar a muitas gentes!!! 

E dentre estes, muitos se compadecem e curtem, nossas ações virtuais, ou apenas porque se identificam, há um grande espírito coletivo de auto-identificação nas redes sociais, esse é o modus vivendi da sociedade tecnológica, e é sobre ele que opera nossas necessidades. E isto vem sendo reproduzido diariamente, parece a saída para não se sentir sozinho, neste mundão de Meu Deus! 

A grande questão que devemos nos perguntar diariamente é se de fato as coisas boas proporcionadas pela rede, como aproximar-se de alguém que se deseja, encurtar espaços, no sentido de transpor isso para a realidade, está realmente acontecendo? Se não tratar de fazer acontecer! E se, o que está se transpondo para o real, não é exatamente o que há de ruim nas redes, como a criação de uma auto-imagem que não condiz com a realidade. 

Será que estamos ficando cada vez mais xucros nas relações, porque nas relações mediatizadas encontramos apoio, ou melhor: nos tornamos experts em disfarces, máscaras, que nem sabemos mais como sermos autênticos, sinceros e simplesmente vulneráveis? 
E isso que devemos nos perguntar. 

sexta-feira, 5 de abril de 2013

Felicidade e ética: promessas e dúvidas.




                Ética é a parte da filosofia que se dedica aos estudos dos valores morais e princípios ideais do comportamento humano. Em sua origem grega a ética significa aquilo que pertence ao caráter.  Nos dias de hoje a ética é compreendida como uma salvação, um desejo, e por não haver uma abordagem séria em relação a ela é onde começa o problema.
                Falta reflexão, falta debate, falta pensamento crítico, falta entender o “que é” o agir e “como” se deve agir. Quando se levantam essas questões é que se inicia a ética. Mas não é o suficiente. É preciso ultrapassar a esfera das emoções passageiras, da indignação moral. A ética não entra em nossas vidas por não sabermos o que se é ou como se deve entrar. Mas o que é ética? Ethos como era chamada pelos gregos era usada para definir o modo como às pessoas vivam e convivam. Usamos atualmente a palavra “comportamento” com o mesmo objetivo. Então, a ética sempre será definida a partir na nossa relação com o outro.
                Aristóteles, filósofo grego que refletiu sobre a ética, acredita que o problema da ética é a felicidade. Ética é a forma de vida que leva a felicidade. A busca da felicidade é o que dá sentido a vida pessoal e coletiva. A felicidade para Aristóteles representa muito mais do que busca individual da alegria e dos prazeres. Na verdade a felicidade não é bem estar pessoal, não é ter saúde ou bens, nem sucesso profissional, nem estar em paz consigo mesmo e com os que vivem ao seu redor. Essa definição atual de felicidade é uma ilusão, antes a felicidade era a máxima virtude.
                É claro que não podemos reviver os ideais de Aristóteles, é preciso entender a felicidade na sua evolução histórica. Mas é preciso recuperar aquele aspecto da felicidade. Para Aristóteles a felicidade era um ideal ético da vida. A vida ética era justa, boa, corretamente vivida pelo cidadão, que sabia seu papel na sociedade, que ao pensar em si como sujeito leva em conta o todo: a família, os amigos, a sociedade, a natureza. A felicidade dependia de uma realização espiritual, mas também excluía a miséria e violência material.
                Para Kant, filósofo do século XVIII, o máximo que o homem poderia esperar era ser digno de ser feliz e não realmente feliz. Atualmente, uns acham, como Kant, a felicidade impossível, outros a tratam como algo banal, uma mera realização dos prazeres pessoais. O desentendimento em relação à felicidade apenas mostra que ela não está bem situada como conceito em nossas vidas. Apenas aqueles que puderam pensá-la como potência ética, como algo que se constrói na fusão da vida pessoal com a vida pública é que podem continuar falando de felicidade. Antes de ser feliz devo perguntar se posso ser ético. Será mais fácil ser feliz.